O cientista político e fundador do Eurasia Group falou sobre os impactos da guerra na Ucrânia, ameaças à democracia e os desafios para lidar com a Inteligência Artificial
Uma análise da geopolítica global, os impactos da Inteligência Artificial e uma visão sobre o atual momento do Brasil. Esses foram os principais assuntos destacados no segundo dia do Febraban Tech 2023 por Iam Bremmer, cientista político, presidente e fundador do Eurasia Group, referência global em consultoria de risco político, e da GZERO Media. Autor de 11 livros, ele também é professor e atualmente leciona na Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade de Columbia.
Em uma conversa conduzida por Mauricio Minas, membro do Conselho do Bradesco, Bremmer falou sobre questões estruturais e geopolíticas que já são observadas há algumas décadas e que causam incertezas no mercado global atualmente, como a atuação da Rússia, dos Estados Unidos e da China, além do enfraquecimento das democracias ao redor do mundo.
Em relação à Rússia, Bremmer comentou os últimos desdobramentos da guerra na Ucrânia e a possível ameaça de um ataque nuclear russo. “A Rússia tem se mostrado um perigo para o Ocidente, ao qual nunca se integrou mesmo depois do fim da União Soviética. Recentemente, a União Europeia impôs sanções para Rússia, algo que nunca tinha acontecido antes. Isso acirra os conflitos”, disse. Além disso, o cenário conturbado da guerra deve impactar na alta de preços de alimentos e fertilizantes.
Sobre as relações entre China e Estados Unidos, Bremer classificou como uma espécie de guerra fria. “O poder desses países está baseado em esferas diferentes”. Os EUA usam seu poder militar para atrair aliados enquanto a China usa o poder econômico. O especialista fez uma analogia sobre a relação das duas potências: “Estados Unidos e China são como um casal, mas em uma relação em que não há mais amor. Eles não querem estar na mesma casa, mas têm filhos, e precisam lidar com isso”.
Já sobre a América Latina, que convive com inflação alta depois da pandemia, o Brasil é um dos países com melhor cenário de estabilidade e que atrai investimentos, na avaliação do especialista. Segundo ele, o Brasil tem oportunidades que podem vir a partir da transformação tecnológica, especialmente aproveitando a biodiversidade e usando a biotecnologia, a IA Generativa e modelos preditivos para medir em tempo real como reduzir desmatamentos e mapear onde ocorrem os desperdícios, por exemplo. “Trabalhando nesse cenário, os bancos que atuam no Brasil podem ter um grande retorno”.
Polarização afeta a democracia
Na avaliação do especialista, a polarização é um fenômeno que vem crescendo há décadas e foi acirrada nos últimos tempos nas redes sociais. Isso tem enfraquecido as democracias, principalmente países da Europa e nos Estados Unidos. “Estou vendo a democracia americana mais custosa e menos eficiente, por conta de alguns fatores, como o ex-presidente sendo acusado. Além disso, a relevância de poder hoje está presente em estados, como Flórida, Texas e Califórnia. Isso traz incertezas sobre onde fazer investimentos: nos estados republicanos ou democratas? Alguns são altamente regulados, outros inovadores”.
Nesse cenário, as pessoas precisam encontrar novas formas de engajarem em seu papel como cidadãs. “Em seu início, a internet deu poder para pessoas esmagarem estados radicais, como foi o caso da Primavera Árabe. Hoje não temos isso. O que acontece é uma revolução de dados de cima pra baixo. Governos totalitários estão fortalecidos pela tecnologia; há 20 anos eles estavam enfraquecidos pela tecnologia”, analisou. Para ele, no mundo ideal as pessoas poderiam controlar seus próprios dados. “Isso significaria mais democracia e menos estados totalitários. Sentimos que alguma coisa deve mudar, caso contrário estamos numa rota de colisão”.
O impacto da Inteligência Artificial
Falando em tecnologia, Bremmer acredita que Inteligência Artificial e Inteligência Artificial Generativa vão impulsionar a ciência e agregar novas capacidades à sociedade, porém podem ameaçar as democracias e aumentar a opressão em países autocráticos. “Há 6 meses nenhum chefe de estado me perguntava sobre Inteligência Artificial, hoje todos me perguntam sobre isso. Os governos não têm ideia de como regular a Inteligência Artificial”, afirmou.
Ele listou outros riscos relacionados a essa tecnologia, como a desinformação. Será cada vez mais difícil diferenciar se estamos conversando com um robô ou uma pessoa e se eles mentem ou falam a verdade. “Isso vai impactar as democracias de forma significativa, e ainda não temos resposta para isso”.
O cientista político pontuou a necessidade de uma regulamentação para que menores de 16 anos não tenham acesso a bots de Inteligência Artificial. “Não podemos ter uma geração crescendo com algoritmos. Os governos estão ignorando esse fato”, afirmou.
Outros riscos envolvem o uso da Inteligência Artificial por criminosos, o que deve aumentar os crimes cibernéticos; e a perda de empregos, que gerará maior raiva e fragmentação na sociedade. Bremer destacou sua posição: ele não acredita que a Inteligência Artificial seja uma ameaça para os empregos. “Aliás, eu acho que haverá mais empregos por causa da produtividade gerada pela Inteligência Artificial. Mas não podemos deixar as pessoas desempregadas para trás como aconteceu nas últimas décadas nos Estados Unidos e na Europa”.
Diante desses fatores, Bremmer acredita que haverá uma crise por conta da Inteligência Artificial.
“De um lado, as empresas de tecnologia precisam se autorregular, porque elas estão devotando todo seu tempo e dinheiro para criar modelos de Inteligência Artificial. De outro, os governos precisam criar um ambiente regulatório num modelo híbrido. Afinal, no mundo físico, governos são atores dominantes, mas no mundo digital as companhias têm esse papel. Governos e corporações deverão trabalhar juntos”, afirmou